Videodança com música de Gilberto Mendes enfoca o drama dos sem-terra.
A Pinacoteca Benedicto Calixto, de Santos-SP, realiza o lançamento da videodança O Anjo Esquerdo da História, com a participação de seus realizadores em evento online, no Facebook da Pinacoteca, no dia 26 de fevereiro (sexta-feira), às 19 horas.
O Anjo Esquerdo da História é uma obra audiovisual realizada na linguagem da videodança, com performance da professora de dança e educadora física Tatiana Justel e baseada na música do compositor e maestro Gilberto Mendes (Santos, 13 de outubro de 1922 – Santos 1 de janeiro de 2016), intitulada O Anjo Esquerdo da História, com letra do poema homônimo de Haroldo de Campos (São Paulo, 19 de agosto de 1929 — São Paulo, 16 de agosto de 2003).
Gilberto Mendes, nos seus últimos anos de vida, participou com Tatiana de alguns saraus em que ela dançou músicas do maestro. O projeto atual dá continuidade à videodança Rosa dos Ventos, baseada na música Vento Noroeste, também de Mendes e lançada na semana passada pela Pinacoteca Benedicto Calixto. A ideia para trabalhos híbridos de dança com audiovisual surgiu a partir de Tatiana, que sentiu a necessidade de homenagear o maestro, por ocasião de seu aniversário em 2020, em que completaria 98 anos.
O Anjo Esquerdo da História (música) é uma obra para coro misto a capella que usa poesia concreta. Foi composta em 1997, musicando o poema de Haroldo de Campos, destacado poeta brasileiro, fundador do Movimento Concretista, crítico e tradutor. O poema versa sobre as lutas por justiça social no campo, que eram preocupações políticas e sociais tanto de Haroldo quanto de Gilberto. O texto é uma homenagem aos 19 sem-terra assassinados no dia 17 de abril de 1996, em Eldorado dos Carajás (PA).
O envolvimento de Mendes com o movimento da Poesia Concreta e a formulação do Manifesto Música Nova, em total confluência com o próprio Manifesto da Poesia Concreta, demonstram o alinhamento do compositor não só com as questões poéticas almejadas pelo movimento concretista pós década de 1950, mas também com a visão política que era compartilhada pelos integrantes de ambos os movimentos. Mendes imprime características historicamente associadas à dor e ao sofrimento, para reproduzir a dramaticidade da luta diária enfrentada pelos trabalhadores sem-terra no campo. Texto e música se entrelaçam na criação de metáforas, produzindo novos significados e percepções diferentes daquelas que ambas, texto e música, poderiam ter separadamente. A força do poema fez Mendes passar abruptamente de um registro sacro para a pura declamação do rap.
A obra de Gilberto, em suas características de pluralidade e versatilidade em relações midiáticas, interage formidavelmente com a performance em dança de Tatiana Justel, no seu estilo singular e eclético, por incorporar diferentes influências e vivências na dança. Por fim, com a adição do recorte audiovisual e da poesia visual, em estética inspirada no expressionismo alemão e no surrealismo, reforçam-se as relações simbólicas já existentes, e também se criam outras novas.
Sinopse: Um lenço branco cai do céu sobre a lama do mangue. Levando-se da lama, surge um ser humanoide, sem olhos, nariz e boca. O Ser performa movimentos que vão do reino vegetal ao animal, até a espécie humana. Conseguindo caminhar, encontra uma igreja, onde vai realizar um surpreendente ato. Inspirado no drama central do poema de Haroldo de Campos, o roteiro incorpora variadas figuras de linguagem amarradas ao fluxo da narrativa, onde os simbolismos e a poesia visual se mesclam à performance da bailarina. O Ser do mangue representa as vítimas dos assassinos, ela dança a dor da morte violenta, da agonia dos sonhos enterrados.
O trabalho de performance cênica de Tatiana Justel é caracterizado pela improvisação e a união da dança com o teatro, próprias da dança contemporânea. É uma bailarina que dança sem a obrigatoriedade de estar cadenciada com a música externa, pois seus movimentos obedecem a uma “música interior”. Sua expressão corporal é uma mistura de movimentos característicos da dança com interpretação realista, mímica e pantomima.
O diretor Carlos Oliveira pensou no alinhamento entre o cenário e a fotografia, tentando produzir um visual apocalíptico, com sombras e contrastes bem marcados entre claro e escuro, significando uma extensão simbólica do interior ambíguo da personagem, no qual o bem e o mal existem ao mesmo tempo. O próprio personagem do Ser do mangue, ao representar uma árvore queimada, mescla-se visualmente ao cenário preparado em uma locação de mangue da Vila São José, em Cubatão-SP.
Naquilo em que a obra geral de Gilberto conversava com o concretismo e o minimalismo, foram pensadas algumas características associadas a essas estéticas, destacando-se imagens em câmera lenta, aceleradas e em retrocesso, repetições de takes e o uso de efeitos visuais, pois todas elas possibilitam um sutil olhar metalinguístico ao trabalho.
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A criação desta videodança contou com a consultoria artística do escritor e crítico literário Flávio Viegas Amoreira, que também foi amigo de Gilberto Mendes e, recentemente, lançou uma biografia do compositor.
TATIANA JUSTEL
Bailarina formada pela Escola de Bailado Municipal de Santos, ex-integrante do Grupo Dança de Rua do Brasil, pesquisadora em danças populares. Profissional de Educação Física com especialização em Dança e Pilates. Como performer em dança, já fez várias apresentações nos mais diversos estilos de dança. Participou do 49º Festival de Música Nova “Gilberto Mendes” com Duo para Gilberto, em parceria com Adriana Barbieri, ao som (imaginário) de O Meu Amigo Koellreutter.
CARLOS OLIVEIRA
Cineasta, videomaker e produtor cultural. Estudou cinema e vídeo no SENAC e nas Oficinas Culturais do Governo do Estado de São Paulo. No audiovisual, exerce as funções de: diretor, produtor, roteirista, fotógrafo/cinegrafista, editor, finalizador e designer gráfico. Atuou em programas de televisão local e em produtoras de vídeo. Foi professor do curso de cinema do Centro Europeu Santos. Em geral, seus trabalhos têm temas ligados à História, memória, patrimônio e meio ambiente.
FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
Escritor, poeta, jornalista e crítico literário, de cinema e teatro, já publicou 14 livros entre poesia, contos e romance. Considerado uma das mais inventivas vozes da vanguarda literária nacional, o escritor colabora com vários jornais brasileiros, como o jornal “A Tribuna” de Santos e outros especialmente dirigidos ao público literário. Traduzido e adotado por universidades norte-americanas e portuguesas, atua como agitador cultural, sendo parceiro de artistas de outras áreas, como letrista de composições de Gilberto Mendes, por exemplo. Atua também como mestre oficineiro, no sistema SESC (SP), Casa das Rosas, Pinacoteca Benedicto Calixto de Santos e em Museus-Casas Literários de São Paulo, da Secretaria da Cultura do Estado, entre outros.
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