Cubatão, 29 de Janeiro de 2025 - 00:00:00

O que aconteceu?

11/10/2024
O que aconteceu?

 

 

(*) ANDRÉ BOSSAN

Quem acompanhou a política nas últimas décadas vai observar como simplesmente acabou a separação entre os poderes nos municípios. Já vem de uns bons 20 anos que não se percebem grandes perturbações entre o executivo e o legislativo, fazendo parecer que há uma harmonia perfeita entre os dois poderes, que tudo conflui para o bem. Também faz parecer que não há mais debate político, já que, conforme o pensamento corrente e dominante, fazer política é apenas gerenciar.

 

O mundo está dado, a vida sempre foi assim, não há o que modificar. O sistema apenas precisa ser bem gerido para que tudo funcione. Daí, naturalmente o combate à corrupção se torna mote de toda a política, já que, o mundo sendo assim, dado, natural e seguindo as normas divinas, a única perturbação, o mal maior, é o gerente ladrão e mau caráter.

 

Não há mais debate político, porque não é permitido. Se a política escapar do seu aspecto gerencial, as reflexões sobre o que é a economia, como ela se organiza na nossa sociedade, a consequente divisão social em classes, bem… isso vai muito, mas muito além da simplicidade e clareza do mundo da administração. A realidade soa como uma fantasia. São muitas as decorrências desse esquema mental. Por exemplo, ele facilita empurrar (outras) ideologias goela abaixo do eleitor, como é o caso da naturalidade como as pessoas aceitam sua condição de miséria, engolindo a isca de que tudo é só uma questão de se esforçar.

 

Você apenas não se esforçou o bastante, continue lutando que um dia você vai ter seu canal no YouTube. Ou seu carrinho de pipoca, ou de hot-dog… Seja seu próprio patrão. Ah! E tem também o jogo do tigrinho. Ou seja, a forma como o mundo se organiza, a geopolítica, a desindustrialização, a globalização, nada disso tem a ver com a situação do eleitor, segundo quem sustenta essas falas. É só se esforçar, esqueça do resto da realidade. O desemprego, o subemprego, os salários ruins, os lucros magros de quem é obrigado a ser empreendedor, nada disso tem a ver com a economia mundial, nem nacional, nem nada. É tudo questão de “mindset vencedor”.

 Por isso tanta gente acredita que os serviços públicos devem ser extintos e substituídos por empresas. Ora, se o cidadão comum precisa trabalhar até quinze horas por dia para manter seu corpo vivo, não é justo que uma “casta” de privilegiados tenha empregos estáveis em órgãos do governo. A opinião pública está sendo movida por ressentimentos. E o ressentimento é o combustível das ditaduras. Foi esse tipo de pensamento que saiu vencedor nessas eleições.

 

 Ao mesmo tempo, gente que vive dos governos, amigos do poder, montam suas empresas, ou OSs e estão prontos para oferecer seus serviços aos mesmos que querem desmontar o Estado. Sim, isso é um jeito de privatizar bens e recursos da sociedade, fazendo o trabalho de um servidor público, mas com alguns atravessadores, que vão lucrar com o Estado e reduzir o quanto for possível os ganhos do trabalhador que emprega. Foi essa gente que elegemos.

 

Bons gestores que não falam de política, mas apenas de negócios. Então, repare bem: o cidadão comum, iludido por toda essa ideologia, apoiará o fim dos serviços públicos, receberá um serviço cada vez mais precário, apoiará a redução da massa salarial dos trabalhadores em geral e não faz a menor ideia de que isso vai ter, em pouco tempo, pelo menos duas grandes consequências: cairá sua capacidade de consumo e aumentará o poder político de quem está no governo, já que para ter um emprego ruim e mal pago, o cidadão vai precisar beijar a mão desses políticos. Vai ter que dançar com o diabo. Já tem gente fazendo isso… e aí? O que você quer?

 

(*) ANDRÉ BOSSAN, professor e

servidor público municipal em Cubatão

 

Comentários

  • Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!

Aguarde..